O escancarado movimento dos partidos de praticamente todos os matizes ideológicos em direção às religiões sempre existiu, mas deve se acirrar em 2020. Tanto que, a julgar pela movimentação dos partidos até agora, pode-se dizer que as religiões terão papel de protagonistas nas eleições municipais de outubro. Faz sentido. Embora os ateus correspondam a 8% da população e outros 3,2% sejam indefinidos neste quesito, nada menos que 88.8% dos brasileiros declaram-se praticantes de alguma religião, segundo o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010.
Considerando-se apenas a população adulta com mais de 19 anos, isto equivale a 83,2% dos brasileiros – ou, em números atuais, a mais de 174 milhões de pessoas. Como é previsível, o Catolicismo prossegue dominando a cena entre as religiões, com 64,6% de praticantes no País. As demais religiões com peso mais significativo são o Protestantismo (evangélicos tradicionais, pentecostais e neopentecostais), com 22,6%; e o Espiritismo, com 2%.
É, portanto, na perspectiva eleitoral e do marketing político que o movimento das principais lideranças políticas do País deve ser pensado. Não que os políticos não tenham suas convicções religiosas, mas sua preocupação de garantir visibilidade às ações que desenvolvem junto a líderes religiosos deixa claro que há bem mais que fé cristã nos seus atos.
As redes sociais acirraram este processo porque propiciam propaganda gratuita aos políticos, com capilaridade maior que as emissoras de rádio e de TV abertas, por meio das mídias virtuais das religiões. Política combinada à religião, cada vez mais, tornou-se uma extraordinária ferramenta de marketing nas mãos hábeis dos profissionais da Política, em todos os níveis.
O presidente Jair Bolsonaro entendeu isto – e, agindo assim há anos, levou a melhor. Não por acaso, foi sua aproximação estreita com lideranças evangélicas conservadoras (como os pastores Silas Malafaia e Edir Macedo, bem como com os líderes religiosos e políticos Marco Feliciano e Magno Malta) uma das razões principais da sua vitória nas eleições presidenciais de 2018, somada à satanização do PT e ao desgaste das demais legendas de esquerda.
No campo da centro esquerda, incluindo entre os maiores partidos, não é diferente. Vide a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao papa Francisco, na semana passada, e o discurso cada vez mais aberto ao universo religioso adotado pelo presidente nacional do PDT, Carlos Lupi. Tanto Lula quanto Lupi defendem que seus partidos busquem uma aproximação cada vez maior com as lideranças religiosas, incluindo seus dois pré-candidatos a presidente em 2022 – respectivamente, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-ministro Ciro Gomes.
Tanto PT quanto PDT sabem que, a despeito da sua agenda popular, perderam aderência junto à população e ao movimento social de base identificado com as religiões. Cenário bem diferente do existente nos anos 80, quando as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), grupos de católicos progressistas defensores da Teologia da Libertação, multiplicaram-se nos anos 70 e 80 e deram forte sustentação tanto ao processo de redemocratização do País quanto ao surgimento e fortalecimento do PT.
A simbiose entre as religiões e a Política tornou-se tão acentuada de lá para cá que muitos grupos de evangélicos, católicos e espíritas – os primeiros, há décadas – já fazem clara defesa de candidaturas nas campanhas eleitorais. E este processo tende a se acelerar, na sucessão municipal de 2020, quando haverá eleições para prefeitos e vereadores. Se o Estado brasileiro continua sendo laico, as campanhas jamais deixaram de ser. Sinal dos novos tempos.
Foto: Ricardo Stuckert