ANTES QUE A BARBÁRIE PREVALEÇA

ANTES QUE A BARBÁRIE PREVALEÇA

AURÉLIO MUNHOZ

João da Silva (nome fictício), 17 anos, negro e pobre. Foi torturado e humilhado por dois seguranças, em um supermercado da cidade de São Paulo, depois de ter roubado uma barra de chocolate.

Sandra Nobre dos Santos, 25 anos. Foi assassinada pelo marido depois de uma discussão, no momento em que seus quatro filhos estavam em casa, em Lindoeste (PR). 

Lucas Acacio de Souza, 23 anos. Foi espancado por seis homens em Santos, no Litoral de São Paulo, depois de sofrer xingamentos homofóbicos. 

O crescimento da violência no Brasil assusta. Não sem motivos. De acordo com o Atlas da Violência de 2018, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou um recorde histórico de 62.517 homicídios no ano passado – 71,5% deles de cidadãos que se definem como pretos ou pardos.

Um agravante, porém, amplia o medo que sentimos de sofrer os horrores causados pela violência e pela estupidez: a naturalização da barbárie. O Brasil atingiu níveis de incivilização, de ignorância, de preconceito e de insensibilidade tão altos que mesmo os crimes mais atrozes são justificados pelos seus autores – ou pelos que os aplaudem, sorrateiramente ou não. 

É assim que a tortura de um menor de idade como João da Silva é explicada com o uso do mantra dos insensatos e dos fascistas: “bandido bom é bandido morto”. Na mesma toada, o assassinato de mulheres é justificado, muitas vezes, pela necessidade de o homem manter sua “honra”. Igualmente, homicídios de gays, lésbicas e integrantes dos grupos LGBTQI são explicados pela orientação sexual das vítimas, diferente da maioria. 

Deste festival de horrores, decorre uma constatação gravíssima: a violência está longe de ser apenas física, ostensiva. É também simbólica, como diria o sociólogo Pierre Bourdieu, na medida em que é incorporada pela narrativa autoritária, excludente e preconceituosa de muitos. 

A violência, sob todas as suas formas, é um problema gravíssimo no Brasil porque é defendida (e praticada) por muitos cidadãos, na teoria e/ou na prática. A cartilha escravagista da “casa-grande e senzala”, presente há séculos na cultura brasileira, percorre as mentes e corações tanto das elites políticas /econômicas quanto de muitíssimos pacatos “cidadãos de bem” – amigos, parentes, vizinhos, colegas de trabalho, parceiros, amantes. E, por meio deles, perpetua-se. Prova inconteste de que o Brasil, enfim, é um país social e psicologicamente doente. 

Nenhum país sério e efetivamente desenvolvido do planeta, absolutamente nenhum, atingiu esta condição apenas com avanços significativos e duradouros dos seus indicadores econômicos. O desenvolvimento só é real – e possível – quando uma Nação se revela inclusiva, democrática, pluralista. Humana, enfim, no sentido mais puro do termo. 

Ideal dos qual estamos longe, muito longe. Cabe a nós mudar isso. E logo, antes que a barbárie prevaleça e nada mais reste a não ser uma Nação destroçada pelo ódio, pela ignorância, pelo medo e pela violência.  

Aurélio Munhoz é jornalista profissional há 28 anos, graduado em Sociologia, pós-graduado em Sociologia Política e em Gestão da Comunicação Organizacional, mestrando em Comunicação Política e integrante do Coped/PR (Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Paraná).

Foto: Dialético

4 Comentários


  1. Maravilha amanhecer com uma leitura deste nível, com o frescor da sensibilidade, na luta diária por direitos humanos, afinal, somos humanos e/ou deveríamos ser em todos os minutos do dia, sob quaisquer circunstâncias. Obrigada e bom trabalho. O Brasil precisa urgente, de jornalistas como você. Força e paciência.

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    1. Muito obrigado, Eliana! Fico honrado. Sigamos, juntos, na luta por um Brasil mais justo e humano.

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  2. Inteligência que coloca velas acesas em nossas mãos em tempos de tempestades.

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  3. Grato pela gentileza. Contar com teu apoio é uma grande honra!

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