A SATANIZAÇÃO DA POLÍTICA É UM GOLPE CONTRA A DEMOCRACIA

A SATANIZAÇÃO DA POLÍTICA É UM GOLPE CONTRA A DEMOCRACIA

A grande mídia presta um enorme desserviço ao País quando foca seu trabalho na satanização sistemática da classe política, sem um debate profundo sobre a corrupção e a democracia, mas fecha os olhos para o arsenal de irregularidades existente nos demais segmentos das elites brasileiras que efetivamente detêm o poder – especialmente a magistratura e o empresariado.

É óbvio que boa parte dos políticos faz por merecer esta ojeriza – dos municípios à União, das Câmaras de Vereadores ao Senado – e a divulgação maciça dos seus escândalos pela imprensa. A corrupção, a incompetência e o absoluto desprezo de muitos legisladores e de governantes eleitos pelo voto em relação à população atinge proporções absurdas.

Ocorre que a corrupção no Brasil é generalizada, sistêmica. Já é parte da cultura nacional e atinge rigorosamente todas as classes e segmentos da sociedade. E atinge desde sempre, uma vez que já causava estragos no Brasil colonial, como apontou a historiadora Adriana Romeiro no livro “Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI a XVIII”.

Isto sugere que há uma dose generosa de hipocrisia e de péssimo jornalismo na prática de se criticar apenas os políticos e de se blindar os demais segmentos da elite. A grande mídia tem pleno conhecimento de que há um bizarro nível de corrupção, de privilégios e de abuso de autoridade na magistratura – em parte expostos por meio das denúncias veiculadas pelo portal The Intercept, envolvendo promotores e magistrados da Operação Lava Jato, em conluio com a imprensa.

Mesmo assim, poucos jornalistas se dão ao trabalho de investigar o submundo do Judiciário para apurar e denunciar este crimes. Pior: muitos veículos de comunicação agiram contra medidas que ajudariam a atenuar este problema ao atacar projetos como o controle externo do Judiciário e, mais recentemente, a Lei de Abuso de Autoridade. Proposta enfraquecida com o aval do presidente Jair Bolsonaro, aliás, que se acovardou diante da possibilidade de enfrentar o Poder Judiciário e o Ministério Público, ao vetar nada menos que 19 artigos da legislação.

O mesmo ocorre em relação a setores do grande empresariado, que escoram seus ilegalidades – cometidas com o generoso dinheiro público – usando um discurso neoliberal de fachada. Neste caso, o que leva a imprensa à inércia é o seu desinteresse de perder verbas de patrocínio de grandes corporações – como os bancos e os fabricantes de automóveis e de bebidas – que custeiam os players da mídia nacional.

Mas a satanização apenas da Política fere a democracia não apenas porque atribui a um único público o foco da corrupção. Este posicionamento é grave porque desestimula os cidadãos a participarem ativamente da Política e a se apresentarem como alternativas aos políticos tradicionais. Contradiz, assim, a própria narrativa da mídia de que é preciso renovar os Parlamentos e o Executivo.

Alimenta, portanto, o circuito fechado do poder político, apontado pelo professor-doutor e sociólogo Ricardo Oliveira, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), no livro “O Silêncio das Genealogias. Classe Dominante e Estado no Paraná (1853-1930)”, que denuncia o patrimonialismo e o nepotismo da velha elite política estatal.

A satanização sistemática apenas da classe política, que também fecha os olhos para muitas novas lideranças interessadas em atuar na área, retira dos cidadãos a esperança de que um mandato parlamentar ou no Executivo – com viés democrático e progressista – seja capaz de mudar a realidade, quando se sabe que não há outra forma de se promover justiça social a não ser por meio do voto e da adoção de políticas públicas (implantadas, necessariamente, pelos eleitos) realmente voltadas à melhoria das condições de vida das pessoas.

A postura da grande mídia em relação ao tema é parte do problema que temos na Política. Atacar e ridicularizar somente os políticos, fechando os olhos para os demais segmentos corruptos da elite, é no mínimo desonestidade intelectual. É hora de revermos isso. Se no universo da Política não há frades franciscanos, idem no da grande mídia.

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